A crise econômica na Europa tem provocado alguns fenômenos interessantes na relação daqueles países com o mundo emergente e até o nem tanto. No Brasil, vimos a reação dos espanhóis quando nós anunciamos a aplicação da regra de reciprocidade para entrada de visitantes da Espanha. Afinal, diversos brasileiros estavam sendo barrados para entrar naquele país se não tivessem comprovação de recursos financeiros mínimos, local para estadia e passagem de volta. Tudo que o Brasil passou a fazer foi exigir o mesmo. Teve gente que falou: bobagem, deixa os espanhóis entrarem aqui. Não concordo. Se não podemos entrar lá, porque vamos abrir as portas e o coração para uns falidos metidos? Reciprocidade neles!
Agora, em Moçambique, estou a ver com meus próprios olhos um fenômeno que alguns amigos já tinham comentado: todos os dias chegam mais e mais portugueses tentando um lugar ao sol africano. Nos três primeiros meses de 2012 chegaram 2.500 portugueses só em Moçambique. Ê, pá! Mas afinal, que a terra subdesenvolvida parece estar melhor que a deles…
Na Europa já não há dinheiro nem empregos. Na África falta mão-de-obra qualificada, especializada em demandas modernas. Aí que os filhos da terra, que tiveram que sair quando da independência de Moçambique nos anos 70, estão agora a regressar, a vir ter aqui o que já não conseguem em terras de colonizadores.
Particularmente, acho bonita a mistura de gentes e acho saudável a troca de experiências e culturas. Só me preocupa quando vejo portugueses que aqui chegam cheios de preconceito, a reclamar dos diferentes hábitos de higiene (ou falta deles), educação e habilidades de raciocínio de alguns moçambicanos, como se de onde vêm não existissem pessoas com as mesmas dificuldades.
Reclamam por tudo e por nada, sem considerar que o diferente pode ser também certo, sem levar em conta diferenças culturais e, ainda, esquecem-se que seus antepassados, quando aqui chegaram contribuíram para deixar o povo moçambicano em tais condições, depois de séculos de dominação, a subjugá-los, humilhá-los e dar a eles maus exemplos. Que venham, mas não para isso de novo. Percebam que agora o que podem querer é uma parceria com os moçambicanos para todos crescerem juntos e aproveitarem as vantagens dessa terra maravilhosa.
Após escrever esse texto, li um e-mail que recebi da amiga e fiel leitora do Mosanblog Lucia Agapito, creditado ao escritor Isaac Asimov. O texto pode nem ser dele, como muitas vezes acontece nas coisas que circulam na internet e, dado ao precário acesso à internet que os dias cheios em Maputo têm me deixado, não fiz a pesquisa. Mas isso não é o mais importante e sim o conteúdo, que cabe bem para situações que vejo no dia a dia em Maputo: pessoas que não percebem a existência de diferentes inteligências e habillidades e se consideram superiores aos outros sem perceber que há muitas coisas que esses outros fazem e elas não seriam capazes. Será um melhor que o outro ou estamos todos aqui para nos completar?
Afinal, o que é inteligência?
Quando eu estava no exército, fiz um teste de aptidão, solicitado a todos os soldados, e consegui 160 pontos. A média era 100. Ninguém na base tinha visto uma nota dessas e durante duas horas eu fui o assunto principal. (Não significou nada – no dia seguinte eu ainda era um soldado raso da KP – Kitchen Police).
Durante toda minha vida consegui notas como essa, o que sempre me deu uma idéia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso.
Porém, na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder um tipo específico de perguntas acadêmicas, consideradas pertinentes pelas pessoas que formularam esses testes de inteligência, e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?
Por exemplo, eu conhecia um mecânico que jamais conseguiria passar em um teste desses, acho que não chegaria a fazer 80 pontos. Portanto, sempre me considerei muito mais inteligente que ele. Mas, quando acontecia alguma coisa com o meu carro e eu precisava de alguém para dar um jeito rápido, era ele que eu procurava. Observava como ele investigava a situação enquanto fazia seus pronunciamentos sábios e profundos, como se fossem oráculos divinos. No fim, ele sempre consertava meu carro.
Então imagine se esses testes de inteligência fossem preparados pelo meu mecânico. Ou por um carpinteiro, ou um fazendeiro, ou qualquer outro que não fosse um acadêmico. Em qualquer desses testes eu comprovaria minha total ignorância e estupidez. Na verdade, seria mesmo considerado um ignorante, um estúpido.
Em um mundo onde eu não pudesse me valer do meu treinamento acadêmico ou do meu talento com as palavras e tivesse que fazer algum trabalho com as minhas mãos ou desembaraçar alguma coisa complicada eu me daria muito mal.
A minha inteligência, portanto, não é algo absoluto mas sim algo imposto como tal, por uma pequena parcela da sociedade em que vivo.
Vamos considerar o meu mecânico, mais uma vez. Ele adorava contar piadas. Certa vez ele levantou sua cabeça por cima do capô do meu carro e me perguntou: “Doutor, um surdo-mudo entrou numa loja de construção para comprar uns pregos. Ele colocou dois dedos no balcão como se estivesse segurando um prego invisível e com a outra mão, imitou umas marteladas. O balconista trouxe então um martelo. Ele balançou a cabeça de um lado para o outro negativamente e apontou para os dedos no balcão. Dessa vez o balconista trouxe vários pregos, ele escolheu o tamanho que queria e foi embora. O cliente seguinte era um cego. Ele queria comprar uma tesoura. Como o senhor acha que ele fez?”
Eu levantei minha mão e “cortei o ar” com dois dedos, como uma tesoura.
“Mas você é muito burro mesmo! Ele simplesmente abriu a boca e usou a voz para pedir”.
Enquanto meu mecânico gargalhava, ele ainda falou: “Tô fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje.”
“E muitos caíram?” perguntei esperançoso.
“Alguns. Mas com você eu tinha certeza absoluta que ia funcionar”.
“Ah é? Por quê?”
“Porque você tem muito estudo doutor, sabia que não seria muito esperto”.
E algo dentro de mim dizia que ele tinha alguma razão nisso tudo.
(tradução livre do original “What is inteligence, anyway?”)
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