O assunto da vez no noticiário por aqui é a emissão de gases poluentes pela Mozal, um “complexo de ‘refinação’ de alumínio, de onde sai o metal com maior grau de pureza disponível no mercado mundial”, como define Paulo Granjo, em seu artigo acadêmico A mina desceu à cidade: memória histórica e a mais recente indústria moçambicana.
A indústria em questão fica a cerca de 17 quilômetros de Maputo, capital do país. Seu funcionamento começou por volta do ano 2000. A instalação, que teve investimentos na casa das centenas de milhões de dólares, é de responsabilidade de empresários da Grã-Bretanha, Japão e África do Sul. O estado moçambicano conta com uma pequena participação, conseguida graças a empréstimos de instituições dos três países envolvidos e ainda da Alemanha e da França.
Seu processo produtivo consome quatro vezes mais energia do que a utilizada por todo o restante do país. Aliás, segunda-feira falei aqui que grande parte dos habitantes de Moçambique ainda não tem acesso à energia. A Mozal tem, claro. Afinal, não ficaria sem energia o maior contribuinte para o Produto Interno Bruto do país (7% já nos primeiros anos de atuação) e empregador de mais de mil trabalhadores. A Mozal é ainda a principal responsável pelo superávit da balança comercial de Moçambique, em quase US$ 400 milhões, devido às exportações maciças de alumínio para a Europa (especialmente Holanda e Bélgica).
As instalações ocupam 140 hectares, com quase 600 fornos, alimentados por uma corrente contínua de 335 mil amperes, que aquece o minério a 960 graus, e que permitem a produção de 250 mil toneladas de alumínio por ano e um resultao líquido de US$ 19,8 milhões com um volume de negócios de US$ 390,6 milhões (dados de 2001, antes da expansão da empresa, em 2004).
Bem, com esses números astronômicos, há que se imaginar que a indústria tenha um alto grau de poluição. Mas se ela está instalada há uma década, por que virou assunto agora?
O fato motivador foi o anúncio feito pela Mozal de que nos próximos meses passará a emitir os gases poluentes diretamente na atmosfera, sem o uso de filtros, durante seis meses, período no qual será realizada a reabilitação do seu Centro de Tratamento de Fumos. Os gases em questão são fluoretos, dióxido de enxofre (SO2), dióxido de carbono (COs), além de poeiras e alcatrão, entre outros poluentes.
Diante do barulho feito pela sociedade civil e organizações não governamentais ligadas à proteção do meio ambiente, a empresa realizou, no dia 22 de julho, uma audiência pública para tratar do assunto.
Durante o evento, foi afirmado, com apoio do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), que o processo de escape direto, conhecido por bypass, não provoca danos ambientais, nem à saúde da população.
A Mozal defende que o cenário não muda com a emissão direta pelo período de seis meses, uma vez que a quantidade de fumaça liberada diretamente ainda será inferior à recomendada por normas internacionais, como as da Organização Mundial de Saúde (OMS). Usou ainda o argumento de que, de acordo com o estabelecido pelo governo de Moçambique, o limite para emissão anual seria de 500 toneladas. Nesse momento, em operação normal (com filtros), a emissão tem sido de 240 toneladas.
A empresa alega que a atividade com escape direto (sem os filtros a funcionar) terá emissões de 246 toneladas por ano, crescendo apenas seis toneladas do volume emitido com filtros e continuando, portanto, dentro dos parâmetros legais.
Invoco aqui o céu azul que está sobre o Índico!
Não é “ecochatice”, mas se os filtros estão retendo apenas 2,5% das emissões, devem estar de fato a precisar de uma reabilitação. E das boas! Essa diferença de 240 toneladas para 246 toneladas, se fosse em pesquisa eleitoral, estaria dentro da margem de erro. Não é possível a Mozal querer convencer alguém com um argumento desses.
Mas parece que o governo moçambicano (sócio minoritário na empresa, mas com certeza largamente satisfeito pelo incremento que essa oferece ao PIB, ao superávit da balança comercial e aos índices de emprego no país) já está convencido de que nada de mal nos acontecerá e a operação está liberada.
Pelo sim pelo não, por ser vizinha da Mozal e pela sua emissão atingir um raio de 100 quilômetros, onde vivem cerca de três milhões de pessoas, resolvi participar do abaixo-assinado que pede: o fim da autorização que o governo deu à Mozal para a operação sem filtros; a concepção de alternativas limpas e sem danos; a realização de um programa de informação pública; e a limpeza, descontaminação e indenização de todos que se sintam afetados por essas poeiras e gases.
Eu pediria ainda maior transparência aos dados de emissões com e sem filtros.
A petição pode ser assinada online e está aqui.
Veja mais no Jornal Notícias e no O País.
Os dados sobre a instalação da Mozal e sua produção foram retirados da matéria Mozal II — construção de primeira, da edição 34 da revista Moçambique (veja aqui), e também do artigo A mina desceu à cidade: memória histórica e a mais recente indústria moçambicana, de Paulo Granjo, que pode ser visto na íntegra aqui.
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